ARTIGO

Preservar o solo, proteger o clima

Ainda se discute pouco sobre como o solo é um aliado na redução do aquecimento global, na adaptação da sociedade e na mitigação de impactos e eventos extremos

Conservação do solo é estratégia fundamental para minimizar os impactos climáticos  -  (crédito:  AFP)
Conservação do solo é estratégia fundamental para minimizar os impactos climáticos - (crédito: AFP)

Malu Nunes diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN)

"Afagar a terra, conhecer os desejos da terra." O verso da música de composição de Milton Nascimento e Chico Buarque, na década de 1970, traz uma lição que já deveríamos ter aprendido: compreender e respeitar as necessidades do solo e da natureza. Diante da crise climática, ainda se discute pouco sobre como o solo é um aliado na redução do aquecimento global, na adaptação da sociedade e na mitigação de impactos e eventos extremos — recurso fundamental para o fornecimento da água, a produção de alimentos e a conservação da biodiversidade.

As mudanças climáticas impactam diretamente o solo em sua capacidade de produção, funcionalidade e composição. Eventos climáticos extremos causam grandes impactos, como a perda de fertilidade, desestruturação do solo e a erosão. O mau manejo do solo contribui com esses e outros impactos, além de provocar grandes emissões de gases de efeito estufa (GEE). Por outro lado, o bom manejo tem potencial para remover carbono da atmosfera e ajudar no combate ao aquecimento global.

De acordo com mapeamento do Centro de Estudos de Carbono na Agricultura Tropical, da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (Universidade de São Paulo de Piracicaba), 38% do solo da América Latina e do Caribe estão degradados. Esse número é maior do que a média mundial, de 33%. O estudo considerou fatores físicos, químicos e biológicos, como porosidade total, água disponível para as plantas e estoque de carbono.

Um exemplo claro dos impactos da crise climática sobre o solo foi o desastre ocorrido no Rio Grande do Sul, no ano ado, considerado o mais devastador da história do Brasil. Estudo do professor Gustavo Brunetto, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), revelou que a Serra Gaúcha pode levar até 40 anos para recuperar sua terra. Segundo o pesquisador, a enxurrada arrastou nutrientes essenciais ao crescimento das plantas, transportando-os para áreas mais baixas do relevo ou para águas superficiais. 

Por outro lado, também em 2024, o Brasil enfrentou uma das piores secas desde 1950, de acordo com o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden). A chamada megasseca atingiu quase 60% do território nacional, consequência do aquecimento global, do desmatamento e de fenômenos climáticos naturais, como o El Niño. Em 2025, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alertou que o verão brasileiro registrou chuvas abaixo do necessário para recompor a umidade do solo. A escassez hídrica prejudica a agricultura, trazendo insegurança alimentar e inflação dos alimentos. 

A conservação do solo deve ser encarada como uma estratégia fundamental para minimizar os impactos climáticos. A superfície preservada sustenta a vegetação, a fauna e o equilíbrio dos ecossistemas, sejam eles naturais ou modificados pela ação humana. Estudo da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e da Embrapa Meio Ambiente analisou imagens de satélite ao longo de 39 anos e revelou como a conversão de florestas em pastagens e áreas agrícolas compromete o estoque de carbono no solo. Essa degradação responde por 41,4% das emissões de gases de efeito estufa do setor agropecuário no Brasil. 

No entanto, os pesquisadores ressaltam que práticas de manejo sustentável, como a rotação de culturas e os sistemas agroflorestais, podem reverter esse processo, favorecendo o sequestro e manutenção de carbono no solo e contribuindo para o combate ao aquecimento global. O cuidado com o solo esteve diretamente relacionado com as três convenções ONU assinadas durante a Rio 92, há 33 anos: sobre Diversidade Biológica, Mudança do Clima e Desertificação. Sem dúvidas, um tema que também merece atenção nas discussões que teremos ao longo da COP30, em novembro, em Belém.

É preciso lembrar que as soluções estão na própria natureza. A restauração da vegetação nativa, por exemplo, permite a ciclagem de nutrientes e, consequentemente, a recuperação da fertilidade do solo. As árvores têm um mecanismo natural que favorece esse processo: suas raízes profundas absorvem nutrientes das camadas inferiores e os redistribuem na superfície por meio da queda de folhas, galhos e frutos. Dessa forma, o solo se mantém saudável sem a necessidade de insumos artificiais, reduzindo a dependência de fertilizantes químicos e minimizando impactos ambientais.

No Paraná, o movimento Viva Água é um exemplo que reúne diferentes atores da sociedade para cuidar essencialmente da qualidade do solo em uma região estratégica para a captação de água e abastecimento hídrico da Grande Curitiba. O solo local é altamente suscetível à erosão causada pelas enchentes e enxurradas, comprometendo tanto a qualidade da água quanto a produtividade agrícola. Para enfrentar esse desafio, foram conduzidos estudos detalhados para identificar as áreas mais vulneráveis e os principais focos de sedimentação. A partir dessas análises, o movimento promoveu a cocriação de soluções em parceria com poder público, moradores, produtores rurais, empresas e cientistas.

Iniciativas locais que envolvem diferentes setores da sociedade são essenciais para construirmos um futuro mais sustentável. Um futuro que merece atenção e ações imediatas. Não podemos ignorar a importância do solo, que sustenta a vegetação, armazena carbono, abriga 60% dos organismos vivos conhecidos e regula ciclos naturais fundamentais para a vida. Cuidar do planeta é uma necessidade urgente, e a terra, que dá nome ao nosso lar, precisa de maior atenção.

 

Por Opinião
postado em 14/06/2025 06:00
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